Linchamento e Teoria Mimética: Uma Aproximação com Base na Realidade Criminológica Brasileira / Lyncing And Mimetic Theory: An Approach Based on Brazilian Criminological Reality

César Dias Rodrigues, Francisca Cecília de Carvalho Moura Fé, Wilson Franck Junior

Resumo


A ação coletiva de punir um indivíduo à revelia do Estado não é um fenômeno moderno. Trata-se de um comportamento social que apresenta, em suas manifestações, um certo padrão cultural que merece ser analisado desde a sua origem remota. Desse modo, o presente artigo procura investigar a justiça social ocorrida na forma do linchamento, por meio da teoria mimética desenvolvida pelo antropólogo René Girard. São analisados, principalmente, dois pilares da teoria mimética: o conceito de bode expiatório e o de crise sacrificial. Ambos são baseados na hipótese de que as sociedades antigas, aquelas cujo sistema judiciário é inexistente ou ineficaz, encontram nos linchamentos ritualizados na forma de sacrifícios humanos, uma maneira pré-jurídica de controlar a violência social. O objetivo principal é compreender como a crise de legitimidade e eficiência das instituições estatais propicia a formação de fenômenos coletivos de justiçamento como tentativa de controlar a violência. Para atingir o objetivo proposto, a metodologia utilizada é mista, tanto de caráter dedutivo quanto ao objeto formal (a teoria mimética), e indutivo quanto ao objeto material (os linchamentos).  Assim, inicia-se com uma exposição da teoria mimética e da interpretação de René Girard sobre os linchamentos no mundo antigo, prática inserida no contexto do mecanismo do bode expiatório. Por fim, apresentam-se também dados sobre o fenômeno do linchamento na sociedade brasileira, a fim de discutir alguns casos concretos, relacionando-os com a teoria do bode expiatório.

Palavras-chave: Violência Mimética. Linchamentos. Sociedade Brasileira. Teoria Mimética. 

 

ABSTRACT

 

Abstract: The collective action of punishing an individual in the absence of the State is not a modern phenomenon. It is a social behavior that presents, in its manifestations, a certain cultural pattern that deserves to be analyzed from its remote origin. Thus, this article seeks to investigate social justice, which occurred in the form of lynching, through the mimetic theory, developed by the anthropologist René Girard. Two pillars of mimetic theory are mainly analyzed: the concept of scapegoat and the concept of sacrificial crisis. Both are based on the hypothesis that ancient societies, those whose judicial system is non-existent or ineffective, find in lynchings, ritualized in the form of human sacrifices, a pre-juridical way of controlling social violence. The main objective is to understand how the crisis of legitimacy and efficiency of state institutions promotes the formation of collective phenomena of justice as an attempt to control violence. In order to achieve the proposed objective, the methodology used is mixed, both deductive in nature as to the formal object (the mimetic theory), and inductive as to the material object (lynchings). Thus, it begins with a exposition of the mimetic theory and of René Girard's interpretation of lynchings in the ancient world, a practice inserted in the context of the scapegoat mechanism. Finally, data on the phenomenon of lynching in Brazilian society are also presented in order to discuss some specific cases, relating them to the theory of the scapegoat.

 

Keywords: Mimetic Violence. Lynchings. Brazilian Society. Mimetic Theory.

 


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DOI: http://dx.doi.org/10.12819/2022.19.12.6

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