Da Desobjetificação do Discurso: Das Teorias Contemporâneas às Origens Filosóficas da Interpretação / On the De-Objectification of Discourse: From Contemporary Theories to the Philosophical Origins of Interpretation

Thiago Barbosa Soares

Resumo


O presente artigo defende a tese de que o discurso, antes de ser um objeto disciplinar constituído pelas teorias do século XX, é uma matriz interpretativa cuja genealogia remonta à longa tradição filosófica ocidental. A partir de um movimento triplo, a revisão das derivas da noção de língua, a análise das principais teorias contemporâneas do discurso e a reconstrução das raízes filosóficas da interpretação, argumenta-se que a disciplinarização do discurso apenas formalizou questões já presentes no logos heraclitiano, na dialética platônica, na retórica aristotélica e na hermenêutica moderna. A virada epistemológica que deslocou a língua de espelho ou instrumento para prática histórica e social possibilitou a emergência da Análise do Discurso, da abordagem dialógica bakhtiniana e da arqueogenealogia foucaultiana. Tais vertentes, embora distintas, compartilham o reconhecimento de que o sentido é sempre histórico, disputado e situado. Ao evidenciar a continuidade histórica entre tradição filosófica e teorias discursivas, o artigo propõe a desobjetificação do discurso, recolocando-o como fenômeno interpretativo universal, e não como criação teórica recente. Por fim, argumenta-se que essa perspectiva histórica é fundamental para enfrentar o atual esgarçamento interpretativo e para sustentar uma ética da compreensão em tempos de proliferação de discursos desinformativos.

 

Palavras-chave: Discurso. Interpretação. Filosofia da linguagem. Genealogia. Teorias do discurso.

 

ABSTRACT

 

This article argues that discourse, rather than being a disciplinary object created by twentieth-century theories, is an interpretive matrix whose genealogy extends back to the long Western philosophical tradition. Through a tripartite movement, revisiting the historical shifts in the concept of language, examining the main contemporary theories of discourse, and reconstructing the philosophical roots of interpretation, the study demonstrates that the formalization of discourse analysis merely systematized issues already present in Heraclitus’s logos, Plato’s dialectics, Aristotle’s rhetoric, and modern hermeneutics. The epistemological shift that redefined language from mirror or instrument to historical and social practice enabled the emergence of Pêcheux’s Discourse Analysis, Bakhtin’s dialogic theory, and Foucault’s archaeogenealogy. Despite their differences, these approaches share the assumption that meaning is always historical, contested, and situated. By revealing the historical continuity between philosophical tradition and contemporary discourse theories, the article proposes the de-objectification of discourse, repositioning it as a universal interpretive phenomenon rather than a recent theoretical construction. Finally, it argues that such historical awareness is essential for confronting today’s interpretive fragmentation and for grounding an ethics of understanding amid the proliferation of disinformative discourses.

 

Keywords: Discourse. Interpretation. Philosophy of language. Genealogy. Discourse theories.

 

 


Texto completo:

PDF RAR XML

Referências


ARISTÓTELES. Retórica. Tradução de Manuel Alexandre Júnior et al. 2. ed. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

CHERNISS, Harold. The Presocratic Tradition. In: ______. Selected Papers. Leiden: Brill, 1977. p. 102-134.

DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. Tradução de Marco Casanova. São Paulo: Unesp, 2000.

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.

HERÁCLITO. Fragmentos. Tradução de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

KOCH, Ingedore Vilaca. A Inter-ação pela linguagem. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1998.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethania S. Mariani et al. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 75-116.

PLATÃO. Fedro. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 1972.

SCHLEIERMACHER, Friedrich. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Tradução de Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes, 1999.

SOARES, Thiago Barbosa. Percurso Linguístico: conceitos, críticas e apontamentos. Campinas: Pontes Editores, 2018.

SOARES, Thiago Barbosa. Formação discursiva: uma noção com dois fundadores. In: PESSOA, O. M. (org.). Leitura, discurso e produção dos sentidos: múltiplas abordagens. Jundiaí: Paco Editorial, 2019. p. 37-51

SOARES, Thiago Barbosa. Percurso Discursivo: heterogeneidades aplicadas. Campinas: Pontes Editores, 2022.

SOARES, Thiago Barbosa. Os limites da interpretação: uma reflexão sobre os usos da noção de discurso. Revista Ratio Integratis, Campanha, v. 3, n. 2, p. 175-184, jul./dez. 2023.

SOARES, Thiago Barbosa. Um percurso acerca da noção de discurso ou os limites da interpretação. Logeion: Filosofia da Informação, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 1-12, e-7164, jul./dez. 2024a.

SOARES, Thiago Barbosa. O acontecimento da análise do discurso: 1969, o ano que não terminou. Cadernos de Pós-Graduação em Letras, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 273-291, maio/ago. 2024b.




DOI: http://dx.doi.org/10.12819/2025.22.12.5

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


Licença Creative Commons
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

Ficheiro:Cc-by-nc-nd icon.svg

Atribuição (BY): Os licenciados têm o direito de copiar, distribuir, exibir e executar a obra e fazer trabalhos derivados dela, conquanto que deem créditos devidos ao autor ou licenciador, na maneira especificada por estes.
Não Comercial (NC): Os licenciados podem copiar, distribuir, exibir e executar a obra e fazer trabalhos derivados dela, desde que sejam para fins não-comerciais
Sem Derivações (ND): Os licenciados podem copiar, distribuir, exibir e executar apenas cópias exatas da obra, não podendo criar derivações da mesma.

 


ISSN 1806-6356 (Impresso) e 2317-2983 (Eletrônico)