A Medicalização da Inclusão Escolar e a Subjetividade Social da Escola / The Medicalization of School Inclusion and the Social Subjectivity of the School

Carlos Eduardo Gonçalves Leal, Ana Valéria Marques Fortes Lustosa

Resumo


Este artigo analisa os processos de medicalização presentes na subjetividade social da escola pública, com foco na inclusão de alunos público-alvo da educação especial (PAEE). A pesquisa se insere no campo da Psicologia Escolar Crítica, ancorada na Epistemologia Qualitativa e na Teoria da Subjetividade de González Rey. O estudo, de natureza construtivo-interpretativa, foi desenvolvido em uma escola da rede estadual de ensino do Piauí, tendo como participantes gestores, professores da sala comum e professoras do Atendimento Educacional Especializado (AEE). A produção de informações ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas, dinâmicas conversacionais e observação participante. Os resultados revelam que a medicalização constitui uma racionalidade subjetivamente institucionalizada, que se expressa na centralidade atribuída ao diagnóstico médico como organizador das práticas inclusivas. Evidenciou-se que o AEE, ao invés de funcionar como recurso pedagógico complementar, tende a operar como espaço terapêutico paralelo e desarticulado do currículo comum, reforçando a lógica de segregação simbólica. O estudo identificou ainda que a presença do profissional de apoio frequentemente desloca do professor da sala comum a responsabilidade pelo processo de ensino-aprendizagem dos alunos PAEE. As práticas observadas são atravessadas por sentidos ambivalentes, tensões institucionais e ausência de formação específica, produzindo exclusão sob a aparência de inclusão. Conclui-se que a superação da medicalização requer a ressignificação da diferença no cotidiano escolar, com base em práticas pedagógicas coletivas, formação crítica e reconstrução simbólica da inclusão como processo ético, político e relacional.

 

Palavras-chave: Medicalização. Subjetividade. Inclusão Escolar. Educação Especial.

 

 

ABSTRACT

 

This article analyzes the processes of medicalization present in the social subjectivity of public schools, focusing on the inclusion of students targeted by special education policies (PAEE). The research is grounded in Critical School Psychology, based on Qualitative Epistemology and González Rey’s Theory of Subjectivity. This constructive-interpretative study was conducted in a state public school in Piauí, Brazil, with participation from school administrators, regular classroom teachers, and special education (AEE) teachers. Data were collected through semi-structured interviews, conversational dynamics, and participant observation. The results reveal that medicalization constitutes a subjectively institutionalized rationality, expressed through the central role assigned to medical diagnoses in organizing inclusive practices. The AEE service, rather than functioning as a complementary pedagogical support, tends to operate as a parallel therapeutic space disconnected from the regular curriculum, reinforcing symbolic segregation. The study also identified that the presence of support professionals often shifts the responsibility for PAEE students' learning process away from regular teachers. Observed practices are marked by ambivalent meanings, institutional tensions, and a lack of specific training, producing exclusion under the guise of inclusion. It is concluded that overcoming medicalization requires a redefinition of difference in the school context, grounded in collective pedagogical practices, critical professional development, and the symbolic reconstruction of inclusion as an ethical, political, and relational process.

 

Keywords: Medicalization. Subjectivity. School Inclusion. Special Education.


Texto completo:

PDF RAR XML

Referências


BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF: 1996.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2007.

BRASIL. Resolução nº 02/2001. Brasília: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica, 2001.

BUENO, José Geraldo Silveira. Políticas de escolarização de alunos com deficiência. In: MELETTI, Silvia Márcia Ferreira; BUENO, José Geraldo Silveira (Org.). Políticas públicas, escolarização de alunos com deficiência e a pesquisa educacional. Araraquara: Junqueira & Marin, 2013. p. 25-42.

BUENO, José Geraldo Silveira; MARIN, Alda Junqueira. Crianças com necessidades educativas especiais, a política educacional e a formação de professores: dez anos depois. In: CAIADO, Katia Regina Moreno; JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Claudio Roberto (Org.). Professores e Educação Especial: formação em foco. Porto Alegre: Mediação/CDV/FACITEC, 2011. p. 141-154.

CONTRERAS, José. Autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

DORZIAT, Ana. A formação de professores e a educação inclusiva: desafios contemporâneos. In: CAIADO, Katia Regina Moreno; JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Claudio Roberto (Org.). Professores e Educação Especial: formação em foco. Porto Alegre: Mediação/CDV/FACITEC, 2011. p. 105-118.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 34. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Política nacional de Educação especial nos anos 2000: a formação de professores e a hegemonia do modelo especializado. In: CAIADO, Katia Regina Moreno; JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Claudio Roberto (Org.). Professores e Educação Especial: formação em foco. Porto Alegre: Mediação/CDV/FACITEC, 2011. p. 51-70.

GATTI, Bernardete Angelina. Formação de professores: condições atuais e futuros desafios. Campinas: Autores Associados, 2010.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

GLAT, Rosana; PLETSCH, Márcia Denise; FONTES, Rodrigo de Souza. Educação inclusiva & educação especial: propostas que se complementam no contexto da escola aberta à diversidade. Revista Educação Especial, Santa Maria, UFSM, 2007.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005a.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis. Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005b.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis. Psicoterapia, subjetividade e pós-modernidade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Thomson Learning, 2007.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis. O social como produção subjetiva: superando a dicotomia indivíduo-sociedade numa perspectiva cultural-histórica. Estudos Contemporâneos da Subjetividade, v. 2, n. 2, p. 167-185, 2012.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis; MITJÁNS MARTÍNEZ, Albertina. Subjetividade: teoria, epistemologia e método. Campinas, SP: Alínea, 2017.

KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães. Política de Educação Especial no Brasil: escolha de caminhos. In: MENDES, Enicéia Gonçalves; ALMEIDA, Maria Amélia (Org.). A pesquisa sobre inclusão escolar em suas múltiplas dimensões: teoria, política e formação. Marília: ABPEE, 2012. p. 63-90.

MENDES, Enicéia Gonçalves. A formação do professor e a política nacional de Educação Especial. In: CAIADO, Katia Regina Moreno; JESUS, Denise Meyrelles de; BAPTISTA, Claudio Roberto (Org.). Professores e Educação Especial: formação em foco. Porto Alegre: Mediação/CDV/FACITEC, 2011. p. 19-40.

MITJÁNS MARTÍNEZ, Albertina. Inclusão escolar: desafios para o psicólogo. In: MITJÁNS MARTÍNEZ, Albertina (Org.). Psicologia escolar e compromisso social: novos discursos, novas práticas. Campinas: Alínea, 2007. p. 95-114.

PRIETO, Rosângela Gavioli. Atendimento escolar de alunos com necessidades educacionais especiais: um olhar sobre as políticas públicas de educação no Brasil. In: MANTOAN, Maria Teresa Eglér; PRIETO, Rosângela Gavioli; ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Inclusão escolar: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2006. p. 29-46.




DOI: http://dx.doi.org/10.12819/2025.22.6.8

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


Licença Creative Commons
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

Ficheiro:Cc-by-nc-nd icon.svg

Atribuição (BY): Os licenciados têm o direito de copiar, distribuir, exibir e executar a obra e fazer trabalhos derivados dela, conquanto que deem créditos devidos ao autor ou licenciador, na maneira especificada por estes.
Não Comercial (NC): Os licenciados podem copiar, distribuir, exibir e executar a obra e fazer trabalhos derivados dela, desde que sejam para fins não-comerciais
Sem Derivações (ND): Os licenciados podem copiar, distribuir, exibir e executar apenas cópias exatas da obra, não podendo criar derivações da mesma.

 


ISSN 1806-6356 (Impresso) e 2317-2983 (Eletrônico)